Espinhos e flores
Os subúrbios
do Rio de Janeiro são a mais curiosa coisa em matéria de edificação da cidade.
A topografia do local, caprichosamente montuosa, influiu decerto para tal
aspecto, mais influíram, porém, os azares das construções.
Nada mais
irregular, mais caprichoso, mais sem plano qualquer, pode ser imaginado. As
casas surgiram como se fossem semeadas ao vento e, conforme as casas, as ruas
se fizeram. Há algumas delas que começam largas como boulevards e acabam
estreitas que nem vielas; dão voltas, circuitos inúteis e parecem fugir ao
alinhamento reto com um ódio tenaz e sagrado.
Às vezes se
sucedem na mesma direção com uma frequência irritante, outras se afastam, e
deixam de permeio um longo intervalo coeso e fechado de casas. Num trecho, há
casas amontoadas umas sobre outras numa angústia de espaço desoladora, logo
adiante um vasto campo abre ao nosso olhar uma ampla perspectiva.
Marcham assim
ao acaso as edificações e conseguintemente o arruamento. Há casas de todos os
gostos e construídas de todas as formas.
Vai-se por
uma rua a ver um correr de chalets, de porta e janela, parede de frontal,
humildes e acanhados, de repente se nos depara uma casa burguesa, dessas de
compoteiras na cimalha rendilhada, a se erguer sobre um porão alto com
mezaninos gradeados. Passada essa surpresa, olha-se acolá e dá-se com uma
choupana de pau-a-pique, coberta de zinco ou mesmo palha, em torno da qual
formiga uma população; adiante, é uma velha casa de roça, com varanda e colunas
de estilo pouco classificável, que parece vexada e quer ocultar-se diante
daquela onda de edifícios disparatados e novos.
Não há nos
nossos subúrbios coisa alguma que nos lembre os famosos das grandes cidades
europeias, com as suas vilas de ar repousado e satisfeito, as suas estradas e
ruas macadamizadas e cuidadas, nem mesmo se encontram aqueles jardins,
cuidadinhos, aparadinhos, penteados, porque os nossos, se os há, são em geral
pobres, feios e desleixados.
Os cuidados
municipais também são variáveis e caprichosos. Às vezes, nas ruas, há passeios,
em certas partes e outras não; algumas vias de comunicação são calçadas e
outras da mesma importância estão ainda em estado de natureza. Encontra-se aqui
um pontilhão bem cuidado sobre o rio seco e passos além temos que atravessar um
ribeirão sobre uma pinguela de trilhos mal juntos.
Há pelas ruas
damas elegantes, com sedas e brocados, evitando a custo que a lama ou o pó lhes
empanem o brilho do vestido; há operários de tamancos; há peralvilhos à última
moda; há mulheres de chita; e assim pela tarde, quando essa gente volta do
trabalho ou do passeio, a mescla se faz numa mesma rua, num quarteirão, e quase
sempre o mais bem posto não é o que entra na melhor casa.
(Lima
Barreto)
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